Leitor, hoje eu acordei querendo visitar uma livraria, conversar com o livreiro, pedir indicações, procurar livros, enfim, satisfazer meu vício. Chamei dois ou três amigos, mas um deles furou com a desculpa de sempre, preferiria não. Os outros dois se desentenderam no caminho, e um deles, sempre o dono da razão, voltou para sua casa, pra desenhar aquelas árvores esquisitas das frases. Foi nessa ocasião que meu amigo Bram (Stoker, há a necessidade do sobrenome, já que ele é famoso no Orkut) chegou a mim, muito contrariado, mas querendo sair de uma vez, pois o dia já começara mal.
Subimos em um ônibus, que estava cheiíssimo, e ao sentar Bram notou o livro que a moça sentada à sua frente, lia. Tinha capa alaranjada e um título sugestivo, era mais um desses livros de gramáticas da nova ortografia, a qual Bram não se dará ao trabalho de aprender. Nossos comentários recheados da vagueza e lentidão dos comentários de ônibus foram interrompidos pela conversa de duas adolescentes sentadas no lado oposto do ônibus que se debruçavam sobre outro livro (há de se notar, é claro, que esse ônibus parece mais uma ficção, desde quando há essa quantidade absurda! (dois) de leitores dentro de um mesmo ônibus?!) de capa vermelha, logo percebi que se tratava de Metamorfose, uma das moças defendia que a professora não deveria pedir um livro tão absurdo, a outra apoiava de forma veemente e acrescentava que seja lá que bicho fosse aquele, era nojento.
Descemos do ônibus com as palpitações no coração de Bram, segurei-o pelo braço pra que ele não dissesse algumas das verdades que ele sempre teima em dizer por aí para qualquer pessoa, claro, eu que acabo tendo que escutar suas reclamações (mas evito mais conflitos). Andamos mais um pouco, e paramos em frente à vitrine de uma grande livraria, Bram ficou maravilhado, de onde (e de quando?) ele vinha, não havia essa variedade enorme de livros (vale ressaltar o fato de que todos os livros que eu tinha na minha estante em casa, ele leu, não eram muitos, mas não eram poucos) e há de se notar a quantidade de pessoas dentro da livraria naquele momento. Pois bem, entramos meio intimidados pelo tamanho do lugar e começamos a procurar os nomes conhecidos, de certo que estariam nas estantes principais, em edições acessíveis ou de luxo, a preços incríveis, com avisos de falta e de remessas chegando.
Procuramos! E como procuramos, e tivemos de procurar, afinal, livreiro? Pois até pra consultar a obra “Odisséia” ele nos teve de perguntar o autor, desistimos do rapaz. E também da moça, e dos outros atendentes e dissemos ao gerente que nós mesmos iríamos achar os ditos livros. Em vão foi nossa procura; ou estavam em falta, sem previsão de entrega, ou eram adaptações horrendas que tentavam nos empurrar fantasiadas de “texto integral”. Bram reclamava de dor de cabeça e sentou-se um minuto nos banquinhos perto da pilha central de livros que havia na loja, eram duas maiores, e duas menores à direita e atrás. Pegou ele, um dos livros da pilha central, capa bonita, chamativa, preta com detalhes em fotos de frutas ou laços. Não poderia dar certo, logo ele pulava por cima da pilha de livros e dizia que aquilo era um disparate! Um absurdo!
A atendente pedia por favor que ele descesse dali, e ele desceu, foi até a estante de terror, pegou um livro, grosso, pesado, com capa nada chamativa e dizia que (note, leitor, que eu o segurava e tentava fazê-lo sair da loja comigo, mas aquele sobrepeso habitual dele não me deixava nem fazer cócegas): — Aqui! Leiam isso daqui! Destruíram minha obra, meu vampiro, meu Drácula! Acabaram com a sutileza e o charme do conde, e a moça?! Sem sal, sem graça, sem atrativos! Meu Deus, meu Deus!
Não adiantava eu avisar “Olha o coração, Bram!”, tentar acalmá-lo, pois bem se sabe; quem tem amigos como ele, que um eco surdo (como o livro que ele jogara pra todos os lados) dum conceito tão bem feito como o seu Drácula, não podia acabar senão no chão da livraria. A garotada assustou-se, e algumas pessoas jogavam livros para ele, com diferenciadas intenções: os que jogavam Augusto Cury, diziam pra ele ler e se ajudar; os que jogavam Roberto Shinyashiki, pediam que ele tivesse mais coragem e não tivesse medo de ser feliz; Outros jogavam Dan Brown, falando que ele se divertisse um pouco mais ao ler. E assim foram-se jogando vários títulos, vários autores, e várias recomendações das pessoas na livraria; e uma montanha de livros ia se formando em volta do meu amigo e foi que acabaram sobrando poucos títulos nas prateleiras, os que ninguém recomendava. Uma rápida olhada me deu a noção exata do que estava lá: a literatura brasileira denominada cânone permanecia intacta (e assim, achamos alguns dos títulos procurados) Machado de Assis, Aluizio Azevedo, Cláudio Manoel da Costa, entre outros. Na estante de literatura estrangeira, encontrei Homero (que não tínhamos achado), Shakespeare, Kafka, Poe (!!), Clarice Lispector (sim, estava lá), e outros tantos.
Bram estava púrpura, um policial chegou e pedia que ele se retirasse sem mais bagunças pois a dona da loja não iria prestar queixa contra ele (sim, a dona, porque o gerente estava pronto para isso). Bram gingou em seu lugar e pediu meu braço pra sair dali, apoiei meu amigo até a porta quando, um rapaz, veio em direção a ele, e ofereceu um livro como presente, Bram não aceita nada de estranhos, nunca aceitou, mas livros são um caso a parte. Pegou o livro, leu o nome do autor e seu coração não agüentou; respirava com dificuldade quando nos acudiram pra levá-lo a algum hospital, talvez ele só tivesse mais “Onze Minutos”.
Parabéns hoje Ao Martos e à Arielle!