domingo, 28 de março de 2010

Uma "visita" a livraria.


Leitor, hoje eu acordei querendo visitar uma livraria, conversar com o livreiro, pedir indicações, procurar livros, enfim, satisfazer meu vício. Chamei dois ou três amigos, mas um deles furou com a desculpa de sempre, preferiria não. Os outros dois se desentenderam no caminho, e um deles, sempre o dono da razão, voltou para sua casa, pra desenhar aquelas árvores esquisitas das frases. Foi nessa ocasião que meu amigo Bram (Stoker, há a necessidade do sobrenome, já que ele é famoso no Orkut) chegou a mim, muito contrariado, mas querendo sair de uma vez, pois o dia já começara mal.




Subimos em um ônibus, que estava cheiíssimo, e ao sentar Bram notou o livro que a moça sentada à sua frente, lia. Tinha capa alaranjada e um título sugestivo, era mais um desses livros de gramáticas da nova ortografia, a qual Bram não se dará ao trabalho de aprender. Nossos comentários recheados da vagueza e lentidão dos comentários de ônibus foram interrompidos pela conversa de duas adolescentes sentadas no lado oposto do ônibus que se debruçavam sobre outro livro (há de se notar, é claro, que esse ônibus parece mais uma ficção, desde quando há essa quantidade absurda! (dois) de leitores dentro de um mesmo ônibus?!) de capa vermelha, logo percebi que se tratava de Metamorfose, uma das moças defendia que a professora não deveria pedir um livro tão absurdo, a outra apoiava de forma veemente e acrescentava que seja lá que bicho fosse aquele, era nojento.




Descemos do ônibus com as palpitações no coração de Bram, segurei-o pelo braço pra que ele não dissesse algumas das verdades que ele sempre teima em dizer por aí para qualquer pessoa, claro, eu que acabo tendo que escutar suas reclamações (mas evito mais conflitos). Andamos mais um pouco, e paramos em frente à vitrine de uma grande livraria, Bram ficou maravilhado, de onde (e de quando?) ele vinha, não havia essa variedade enorme de livros (vale ressaltar o fato de que todos os livros que eu tinha na minha estante em casa, ele leu, não eram muitos, mas não eram poucos) e há de se notar a quantidade de pessoas dentro da livraria naquele momento. Pois bem, entramos meio intimidados pelo tamanho do lugar e começamos a procurar os nomes conhecidos, de certo que estariam nas estantes principais, em edições acessíveis ou de luxo, a preços incríveis, com avisos de falta e de remessas chegando.

Procuramos! E como procuramos, e tivemos de procurar, afinal, livreiro? Pois até pra consultar a obra “Odisséia” ele nos teve de perguntar o autor, desistimos do rapaz. E também da moça, e dos outros atendentes e dissemos ao gerente que nós mesmos iríamos achar os ditos livros. Em vão foi nossa procura; ou estavam em falta, sem previsão de entrega, ou eram adaptações horrendas que tentavam nos empurrar fantasiadas de “texto integral”. Bram reclamava de dor de cabeça e sentou-se um minuto nos banquinhos perto da pilha central de livros que havia na loja, eram duas maiores, e duas menores à direita e atrás. Pegou ele, um dos livros da pilha central, capa bonita, chamativa, preta com detalhes em fotos de frutas ou laços. Não poderia dar certo, logo ele pulava por cima da pilha de livros e dizia que aquilo era um disparate! Um absurdo!




A atendente pedia por favor que ele descesse dali, e ele desceu, foi até a estante de terror, pegou um livro, grosso, pesado, com capa nada chamativa e dizia que (note, leitor, que eu o segurava e tentava fazê-lo sair da loja comigo, mas aquele sobrepeso habitual dele não me deixava nem fazer cócegas): — Aqui! Leiam isso daqui! Destruíram minha obra, meu vampiro, meu Drácula! Acabaram com a sutileza e o charme do conde, e a moça?! Sem sal, sem graça, sem atrativos! Meu Deus, meu Deus!




Não adiantava eu avisar “Olha o coração, Bram!”, tentar acalmá-lo, pois bem se sabe; quem tem amigos como ele, que um eco surdo (como o livro que ele jogara pra todos os lados) dum conceito tão bem feito como o seu Drácula, não podia acabar senão no chão da livraria. A garotada assustou-se, e algumas pessoas jogavam livros para ele, com diferenciadas intenções: os que jogavam Augusto Cury, diziam pra ele ler e se ajudar; os que jogavam Roberto Shinyashiki, pediam que ele tivesse mais coragem e não tivesse medo de ser feliz; Outros jogavam Dan Brown, falando que ele se divertisse um pouco mais ao ler. E assim foram-se jogando vários títulos, vários autores, e várias recomendações das pessoas na livraria; e uma montanha de livros ia se formando em volta do meu amigo e foi que acabaram sobrando poucos títulos nas prateleiras, os que ninguém recomendava. Uma rápida olhada me deu a noção exata do que estava lá: a literatura brasileira denominada cânone permanecia intacta (e assim, achamos alguns dos títulos procurados) Machado de Assis, Aluizio Azevedo, Cláudio Manoel da Costa, entre outros. Na estante de literatura estrangeira, encontrei Homero (que não tínhamos achado), Shakespeare, Kafka, Poe (!!), Clarice Lispector (sim, estava lá), e outros tantos.



Bram estava púrpura, um policial chegou e pedia que ele se retirasse sem mais bagunças pois a dona da loja não iria prestar queixa contra ele (sim, a dona, porque o gerente estava pronto para isso). Bram gingou em seu lugar e pediu meu braço pra sair dali, apoiei meu amigo até a porta quando, um rapaz, veio em direção a ele, e ofereceu um livro como presente, Bram não aceita nada de estranhos, nunca aceitou, mas livros são um caso a parte. Pegou o livro, leu o nome do autor e seu coração não agüentou; respirava com dificuldade quando nos acudiram pra levá-lo a algum hospital, talvez ele só tivesse mais “Onze Minutos”.






Parabéns hoje Ao Martos e à Arielle!

sábado, 13 de março de 2010

Idosas Reflexões...




Não é de hoje que me tenho sentido cada vez mais velho a cada dia, e não, não me refiro às dores na coluna ou rabugice, e sim, aos meus gostos, pensamentos, idéias e motivações. Os dias passam, e são cada vez mais analisados e estudados, são meticulosamente pensados, e ainda assim não percebo a rotina, talvez perceba, mas não conscientemente. Paradoxal essa minha velhice. Abri um pouco mais de espaço no meu guarda-chuva de paradoxos e dei espaço às novas sensações, assim como os idosos que abrem o coração novamente para a vida, ou sou um jovem que nunca abriu seu coração? Bem, é difícil abrir um músculo com os dedos, concorda, leitor?

Talvez eu devesse mandar um pão-por-Deus ao vazio no meu peito dizendo:

Lá foi o meu coração
Destroçado por seu dono
Procurando seu caminho
Pois eu o abandono

Mas penso que ele voltou, ou talvez nunca partiu, mas, não sei. Procuro por referências saudosas de coisas que não são de minha época, com as quais não tive contato em um passado remoto. Sinto saudades dos ‘bons tempos’, já conto causos começados por ‘na minha época...’ e dou sermão ao garotinho da quarta série. Busco dentro de mim um ser infantil, ou um infantil que condisse com minha realidade secular, pois agora no meu milênio já não tenho mais perspectiva. Claro que o futuro está aí, aqui, aí, aqui, aí, aqui, ali. E o tic-tac do relógio, ops, esqueci que os relógios não fazem mais tic-tac, mas, na minha época, faziam.

Aonde foi, leitor, na minha vida, que coloquei a minha mente numa máquina de fermento cerebral e a fiz pular anos de amadurecimento? Agora o maduro já seca, ou apodrece; talvez a sandice me aguarde, em qual dobra? Vou esculpir dois ou três pedestais e colocar a realidade, o tempo e o ser. Talvez os pinte de verde ou vermelho, mas creio que a necessidade se faz real quando o ser já é irreal. E nada fez mais sentido.



Sim, estou velho...

domingo, 7 de março de 2010

Ao ler...














Vou publicar aqui um texto que produzi para uma aula de literatura e ensino que tive nessa semana que passou, o tema era 'a leitura e eu' onde deveríamos contar como a leitura se fez presente em nossa vida.

Ainda lembro bem da velha caixa de livros com que me presenteou minha avó, o cheiro de poeira me fazia espirrar e o mofo da parte de baixo me fez coçar as mãos. Logo aquele menino que demorou a falar, mas quando aprendeu não parava um minuto, perguntar, perguntar, aprender, saber, a curiosidade sempre foi maior que a prudência. E o universo misterioso das letras e palavras sempre lhe fascinou. “Isso diz algo?” perguntava apontando para frases em caixas, placas, cartazes, como poderiam aqueles desenhos pequenos e sem graça contar uma história? Quis saber e investigava os livros sem saber ler, tentava adivinhar a história sem figuras. Chamava o pai, a mãe, mas ainda assim não se satisfazia.



Aprendeu a ler rápido, lia com velocidade, sem tropeçar em palavras, ganhava livrinhos, dessas historinhas que todas as crianças escutam, mas poucas lêem, tinha medo de ler Barba Azul de noite, e o lobo mau já lhe perseguiu em alguns sonhos infantis. Mas a satisfação por histórias curtas foi se apagando, não queria algo tão rápido, tão direto, queria imergir na história, então veio a caixa, a poeira, a coceira e duas coleções de livros, e ali nas mil e uma noites, com algumas estórias violentas, outras que ensinavam algo moral, aprendeu que o tempo pode mudar ou passar diferente quando se lê. Os irmãos Grimm foram os seguintes, vários e variados livros com muitas das histórias e lendas, algumas aterrorizantes, outras com finais felizes, algo da coragem, do respeito, tudo isso lhe despertava o interesse, queria também contar as suas histórias, queria mais e mais livros.



E o mistério me fascinava, o suspense e o terror; veio a turma dos tigres e sua resolução dos mistérios, o gibi, a graphic novel, o mangá, depois voltei aos livros, veio o distinto Holmes e seu poder incrível de dedução, veio trazendo o gosto pelo policial, pelo tétrico, vieram filmes, seriados, a música e sua poesia; E Bilac com seus sonetos. A leitura se tornava parte do ser que fui/sou e eu já não vivia mais sem ela, bela droga a qual me viciei, me leva pra vários estágios, mundos, estórias, e continuo a viajar com ela.



Bram Stoker veio de sopetão, e seu Drácula, vampiro mestre, sangue, prisão, perseguição, as figuras se tornando horrendas, fugindo do crepúsculo, que sempre foi cenário dos livros românticos que nunca terminei, a princesa, a moça de família, a garota pura, as figuras pelas quais eu sempre torci contra, e um final feliz? Descobri o clichê e a leitura começou a ser selecionada. Poe me intrigou com seus contos, e com suas criaturas horrendas, troquei Rei Arthur por Arthur Gordon Pym, e descobri que a leitura pode causar mais sensações do que as conhecidas.



Não havia outra maneira de seguir com a minha droga, só buscando algo que a usasse sem preconceitos. Descobri que sempre usei pouco dessa droga, encontrei pessoas em constante viagem literária, e a leitura começou a me atordoar mais. Ulisses, conhecido de tempos, voltou para Ítaca e me deixou com as sereias. Fui de vassoura até meu amigo Harry Potter e entendi que a magia ainda encantava minha parte criança inebriando o desprazer de ser quase adulto. Conheci o professor e seus amigos pequeninos, morei na terra média durante meses, e lá eu também li, sobre o começo, Eru e Morgoth; sobre as eras e escutei a triste, porém valorosa, história de Túrin Turambar; conheci seu primo Tuor, e lamentei a morte de Beleg.



Ainda lembro bem do que primeiro escrevi, oitavo ano, e meus personagens corajosos e valorosos nunca me questionaram o rumo. Mas eu era o que vivia no mundo da lua. Ah! Da lua disseram, mas não souberam bem diferenciar que eu bem vivi e vivo no mundo que a leitura me quer, também sou o que ela me molda ser. A leitura me foi refúgio, me foi consolo, me foi amigo. E descobri que um bom amigo só questiona o errado. Voltei no tempo e a saudade das estórias mais simples me fez procurar um ladrão, um falso ladrão, mas filho de Poseidon. E corri com Percy pelos EUA atrás do culpado. Caí nos braços de um fonático e tive medo de atender o celular, assim tio Stephen King me assustou várias vezes, e da leitura ao filme foram dois suspiros, talvez de tanto usar minha droga, me apareceu uma tal zona morta no cérebro. Há de se pensar que tanta aventura realmente faz o leitor pequenino, que decifrava as palavras arbitrariamente, continuar no seu mundo da lua, mas não é assim que acontece, e não vou sair por aí queimando os livros que não quiseram ser meus amigos.



A leitura me viciou e eu acabei envolvido nas tramas e nos olhares dissimulados de Capitu, ri das afetações entre Bentinho e Escobar e aprendi a respeitar Machado. Enamorei-me do realismo de Eça de Queirós com seu belo e lascivo Padre Amaro, caí em um país maravilhoso e atravessei espelhos com Alice. Xinguei e ri das situações que Azevedo criou no cortiço. E me entristeci com cada fim, não pelo seu conteúdo, mas o simples fato de uma leitura terminar me deixava lamurioso.


Enlouqueci, escrevi ao pai, virei barata; Cacei baleia e preferi não. E fiquei cego, tudo branco, tudo doido, tudo fora de prumo, vi Jesus encarar Leviatã no meio do oceano. A leitura me acompanha, a leitura me droga, a leitura me é. E, às vezes, resgato na minha procura, aquele garotinho que espirrava e coçava as mãos enquanto lia aquele livro amarelado e poeirento que não tinha nenhuma figura, procuro imergir naquele mundo que ele imergiu e sentir um pouco mais da felicidade que ele sentia; Não me estendo mais, pois já sinto falta, vou ali me drogar com mais páginas literárias.




E você, leitor, como a leitura entrou e se desenvolveu na sua vida?