Vou publicar aqui um texto que produzi para uma aula de literatura e ensino que tive nessa semana que passou, o tema era 'a leitura e eu' onde deveríamos contar como a leitura se fez presente em nossa vida.
Ainda lembro bem da velha caixa de livros com que me presenteou minha avó, o cheiro de poeira me fazia espirrar e o mofo da parte de baixo me fez coçar as mãos. Logo aquele menino que demorou a falar, mas quando aprendeu não parava um minuto, perguntar, perguntar, aprender, saber, a curiosidade sempre foi maior que a prudência. E o universo misterioso das letras e palavras sempre lhe fascinou. “Isso diz algo?” perguntava apontando para frases em caixas, placas, cartazes, como poderiam aqueles desenhos pequenos e sem graça contar uma história?
Aprendeu a ler rápido, lia com velocidade, sem tropeçar em palavras, ganhava livrinhos, dessas historinhas que todas as crianças escutam, mas poucas lêem, tinha medo de ler Barba Azul de noite, e o lobo mau já lhe perseguiu em alguns sonhos infantis. Mas a satisfação por histórias curtas foi se apagando, não queria algo tão rápido, tão direto, queria imergir na história, então veio a caixa, a poeira, a coceira e duas coleções de livros, e ali nas mil e uma noites, com algumas estórias violentas, outras que ensinavam algo moral, aprendeu que o tempo pode mudar ou passar diferente quando se lê. Os irmãos Grimm foram os seguintes, vários e variados livros com muitas das histórias e lendas, algumas aterrorizantes, outras com finais felizes, algo da coragem, do respeito, tudo isso lhe despertava o interesse, queria também contar as suas histórias, queria mais e mais livros.
E o mistério me fascinava, o suspense e o terror; veio a turma dos tigres e sua resolução dos mistérios, o gibi, a graphic novel, o mangá, depois voltei aos livros, veio o distinto Holmes e seu poder incrível de dedução, veio trazendo o gosto pelo policial, pelo tétrico, vieram filmes, seriados, a música e sua poesia; E Bilac com seus sonetos. A leitura se tornava parte do ser que fui/sou e eu já não vivia mais sem ela, bela droga a qual me viciei, me leva pra vários estágios, mundos, estórias, e continuo a viajar com ela.
Bram Stoker veio de sopetão, e seu Drácula, vampiro mestre, sangue, prisão, perseguição, as figuras se tornando horrendas, fugindo do crepúsculo, que sempre foi cenário dos livros românticos que nunca terminei, a princesa, a moça de família, a garota pura, as figuras pelas quais eu sempre torci contra, e um final feliz? Descobri o clichê e a leitura começou a ser selecionada. Poe me intrigou com seus contos, e com suas criaturas horrendas, troquei Rei Arthur por Arthur Gordon Pym, e descobri que a leitura pode causar mais sensações do que as conhecidas.
Não havia outra maneira de seguir com a minha droga, só buscando algo que a usasse sem preconceitos. Descobri que sempre usei pouco dessa droga, encontrei pessoas em constante viagem literária, e a leitura começou a me atordoar mais. Ulisses, conhecido de tempos, voltou para Ítaca e me deixou com as sereias. Fui de vassoura até meu amigo Harry Potter e entendi que a magia ainda encantava minha parte criança inebriando o desprazer de ser quase adulto. Conheci o professor e seus amigos pequeninos, morei na terra média durante meses, e lá eu também li, sobre o começo, Eru e Morgoth; sobre as eras e escutei a triste, porém valorosa, história de Túrin Turambar; conheci seu primo Tuor, e lamentei a morte de Beleg.
Ainda lembro bem do que primeiro escrevi, oitavo ano, e meus personagens corajosos e valorosos nunca me questionaram o rumo. Mas eu era o que vivia no mundo da lua. Ah! Da lua disseram, mas não souberam bem diferenciar que eu bem vivi e vivo no mundo que a leitura me quer, também sou o que ela me molda ser. A leitura me foi refúgio, me foi consolo, me foi amigo. E descobri que um bom amigo só questiona o errado. Voltei no tempo e a saudade das estórias mais simples me fez procurar um ladrão, um falso ladrão, mas filho de Poseidon. E corri com Percy pelos EUA atrás do culpado. Caí nos braços de um fonático e tive medo de atender o celular, assim tio Stephen King me assustou várias vezes, e da leitura ao filme foram dois suspiros, talvez de tanto usar minha droga, me apareceu uma tal zona morta no cérebro. Há de se pensar que tanta aventura realmente faz o leitor pequenino, que decifrava as palavras arbitrariamente, continuar no seu mundo da lua, mas não é assim que acontece, e não vou sair por aí queimando os livros que não quiseram ser meus amigos.
A leitura me viciou e eu acabei envolvido nas tramas e nos olhares dissimulados de Capitu, ri das afetações entre Bentinho e Escobar e aprendi a respeitar Machado. Enamorei-me do realismo de Eça de Queirós com seu belo e lascivo Padre Amaro, caí em um país maravilhoso e atravessei espelhos com Alice. Xinguei e ri das situações que Azevedo criou no cortiço. E me entristeci com cada fim, não pelo seu conteúdo, mas o simples fato de uma leitura terminar me deixava lamurioso.
Enlouqueci, escrevi ao pai, virei barata; Cacei baleia e preferi não. E fiquei cego, tudo branco, tudo doido, tudo fora de prumo, vi Jesus encarar Leviatã no meio do oceano. A leitura me acompanha, a leitura me droga, a leitura me é. E, às vezes, resgato na minha procura, aquele garotinho que espirrava e coçava as mãos enquanto lia aquele livro amarelado e poeirento que não tinha nenhuma figura, procuro imergir naquele mundo que ele imergiu e sentir um pouco mais da felicidade que ele sentia; Não me estendo mais, pois já sinto falta, vou ali me drogar com mais páginas literárias.
E você, leitor, como a leitura entrou e se desenvolveu na sua vida?
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