quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Ouro de tolo

Este povo que me rodeia acredita em violência simbólica e em aparelhos ideológicos de Estado. Eles acreditam e subjugam-se a essa crença. Cria-se, portanto, uma ilha, para que, esporadicamente, possa-se sentar numa extremidade e refrescar os pés. Tudo bem em ser hipócrita. Hipocrisia é um clichê. Ser clichê hoje é uma virtude.
Qualquer tomada de posição constitui uma ilha, e se for preciso escolher uma redoma, prefiro aquela em que o aproveitar da água não seja apostasia.
Manias de perseguição me cansam neste dia. Também porque me perseguem. Dormir e não sonhar é um sonho. Dormir bem e bastante, outro. Não quero ter heterônimos, muito menos ter o emudecimento de José (e agora, meu caro?); quero o saudosismo apenas em relação àquilo que verdadeiramente me compõe e me refaz.
A pacificação subjetiva tem a ver com a insurreição: só há subversão quando a regra não é favorável. Torne a regra favorável a mim que estarei à direita do poder (Pense nisso ao votar).
A necessidade em sentido amplo e a manutenção de algumas rotinas criadas em arquipélagos criam as imagens de bandeirinhas que balançam por aí. Nenhuma indignação neste texto. Todos querem apenas deitar e descansar. Quem ao ócio contempla em demasia, subverte-se.
Avulta em mim a tradição; não da ruptura, mas a adâmica, pré-queda, se esta não existisse. Apesar disso, mostrarei o outro lado, porque não abro mão dos ensinamentos do colega Hegel. Do outro lado está a vaidade. A vaidade momentaneamente feliz, pós-queda. Que tanto Gênesis!
Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Borradela Pueril

Você não pode tirar uma foto do que vê, no lugar onde eu estarei. E eu não posso mensurar o quanto isso soa fantasioso. Será que é um mundo onírico que a gente projeta sempre, quando a serotonina está em crise? Tenho lembranças, mas não me parecem muitas agora. Sempre existe o milésimo de segundo no qual você poderia não ter sido atropelado. Não foi o meu caso. No entanto, e apesar desse tanto, tenho memórias. A impressão primeira é a de que todas elas têm relação com música. O primeiro período daqui é uma, adaptada.
A música foi feita para o silêncio, ou o silêncio para a música: ela é um diálogo com a eternidade e o divino. Só o divino é eterno. Mas a questão é que meu mundo infantil foi letrado apenas pelas composições musicais. Livros? Poucos. E quer saber? Depois de certa idade tentei colocar algumas leituras em dia e vou dizer, nenhuma delas ficou na memória com a mesma intensidade que as melodias silenciosas.
“Você canta bem, mas por que parece que vai chorar quando o faz?”. Refletiu-me isso agora e me ocorreu que algumas coisas são grandes demais pra caber num pequeno ser. Ora, a pequena cantora deveria ter emudecido. Ponto. A penúltima frase parece ter sido acatada como um bom conselho durante os anos que se sucederam, apesar da colocação da voz num grupo eclesiástico rotineiro. Em conjunto não vale, contudo. O solo nunca mais se ouviu. Isso é polissêmico. Quiçá o contato com o que não é daqui se fez; não estou falando, porém, do sujeito que se constitui na alteridade. Falo de Adão e Eva. De Caim e Abel. De Jó. E de Jesus, o Cristo. Mas, infelizmente, eu não sou mais tão criança, a ponto de saber tudo.
Entretanto, crê-se ser essa a vontade do intento musical. Apesar de todos os processos de autoafirmação e de criar-lugar nos meios aos quais não se pertence, não há como falar de experiência sem a transmissão do conhecimento. As lacunas permanecem, assombram e cantam. Da maneira mais pueril possível.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um segundo congelado


Bons dias, tardes e noites. Não há maneira mais apropriada de iniciar nossa conversa de hoje sem precisar o momento exato do dia, então sou inapropriado, escolha você o momento adequado. Sei que ali, por detrás das cortinas verdes da janela, o tramado negro subterfoge os doirados cabelos do maldito sol e eu o agradeço. Não que eu odeie o dia, leitor, mas conviremos que a noite seja mais bem aproveitada ao experienciar o que melhor lhe aprouver.

E é na embriaguez dos sentidos que a experiência começa, já resumi Benjamin para você, de nada. Mas talvez seja necessária uma embriaguez diferenciada para começar a creditar o inevitável ao merecido. E nessas crenças podemos atribuir valor às pessoas, mesmo que não o mereçam, pois pessoas, mais do que nunca, são passíveis de erros; perdem-se na embriaguez, sem embriagar os sentimentos. Aborreço-me. Perco a linha do pensamento.

Às vezes os dias arrastam-se, já mencionei. Às vezes correm, também. Mas nunca funcionam da maneira que você prefere, os dias são egoístas e não se adéquam ao seu estado de espírito. Sempre é assim, exceto quando somos crianças.

Quando crianças, nossos dias passam em piscadas, rápidos, ávidos, famintos em consumir nossa alegria de viver e quando enjoam do doce sabor da inocência, nos deixam a mercê da sorte que nos couber. O tempo não pára.