terça-feira, 29 de dezembro de 2009

sem título















Sempre que a madrugada chega, com seu tom ameaçador, porém débil, com suas cores frias, porém calorosas, com seu silêncio musical, eu fico esperando uma visita. E os segundos passam em minutos semanais, com tiquetaques surdos e suspiros profundos, gotas de água num pulmão debilitado. Minha espera estende-se com o movimento da lua, esperando a visita desagradável da única amizade que resta aguardar. O calor nas suas cores frias ruboriza minha face e o silêncio canta seus desesperos no meu ouvido enquanto suspiro profundamente cada segundo. É manhã, o silêncio cessa; a vida lá fora parece acordar sorrindo para o tom dourado do trigo que reluz sob o sol, pura bobagem, onde, nessa selva de pedra maldita, há campos de trigo? Devaneio matinal, bebo mais do amigo que me ajudou a esperar a madrugada, ele me mancha com certo tom arroxeado enquanto arde minha garganta, esperei. Passam mais alguns minutos e começo a acreditar que minha visita não chegará tão cedo, aonde foi que ela parou dessa vez? Acaba invadindo minha mente o pensamento de que eu terei de esperar mais e mais. Levanto, cambaleio, tonteio, seguro, paro, respiro e continuo. Preciso que alguém busque meu juízo no quarto, ele pode estar morrendo, falta-lhe o alimento, tentei várias misturas, mas nunca descubro do que ele se alimenta. Caio, espero, olho-me naquela vasilha prateada, não, é um vaso, meu reflexo está distorcido, mas não sou eu, é minha sociabilidade, minha vontade de me relacionar com outras pessoas, é minha casca, minha face, meu avatar de luxúria que não se acaba tão fácil, levanto, cambaleio, sento no chão. Minha visita chegou, é meio-dia e eu não preparei nada para ela, mas creio que hoje o banquete será minha paciência com o mundo, ofereço-lhe dois terços do que cultivei e ela pega e mordisca, me dói um pouco o coração, mas de nada mais ele me serve, ofereço-lhe meu coração, metáfora do amor verdadeiro, o meu já pisado, maltratado, nem é digno da mordiscada que levou, por isso a vejo cuspir o pedaço, ele cai ao chão e enegrece, seguro o pedaço e uma lágrima rola dos meus olhos, esguelho para minha visita, ela me olha com carinho, parece que aquele momento não acabará nunca, acabou.

E agora, Leitor?



quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

qualquer coisa menos comum, por favor


Ás vezes eu fico tão estranho, leitor. Eu começo a pensar nas coisas que estão dentro da minha mente e enlouqueço com minha loucura, dou risada de mim mesmo e canto, canto alto e desafinado para me ninar. Ás vezes eu toco minha vida tão rápido que sinto o que perco pelo caminho, me coloco em perigo e grito, grito com desespero, veracidade, e isso me faz sentir vivo. As questões vêm e vão devagar, rápidas, calmas, nervosas, explodem e cospem na minha cara, e eu me pergunto se isso tudo é suficiente para amar, se assim eu posso respirar, é suficiente, leitor?

Meus dias são de tons variados, cada um é diferenciado e pode mudar com o curso dos acontecimentos, mesmo que eu tenha meus dias povoados pelo sentimento que me faz ter vontade de que alguém arranque meu coração e isso aconteceu, e isso acontece e isso acontecerá, e eu fui deixado aqui para sangrar, será o suficiente para morrer? Eu mentalmente suplico a cada rosto estranho que salve minha vida dessa monotonia ou que a salve desse desespero, que me dê um prato de feijão com arroz da vida e me ensine que o sal e a pimenta somos nós que colocamos. Prefiro mudar, não ser e ser eu, mas todos meus eus preferem ser qualquer coisa menos comum, leitor, por favor.

Conheço as regras, conheço para quebrá-las, a vida é feita delas e elas a fazem tão chata, a minha vida com regras é chata, o sentimento volta e eu preciso achar, viver, encontrar, meu extremo, eu quero saber que eu tenho estado, no extremo.

Procuro alguém, encontro e desencontro, meu coração talvez esteja tão machucado que precise de um aperto carinhoso, as feridas não saram rapidamente, então desconto no corpo, alguém me ponha juízo, me sacuda pra valer, me dê um tapa, um abraço, um beijo, amor, faça com que eu me sinta vivo, qualquer coisa, leitor. Arranque meu coração, ele não é suficiente para amar, me deixe sem meus pulmões e diga que eu posso respirar, sem tudo isso eu seria capaz de morrer? Alguém salve minha vida das coisas comuns, me salve da monotonia agradável e agonizante.
Abaixe a guarda, mostre seu peito e espere que o coração seja arrancado de você, não devolva o meu, não seja comum, não use seu senso comum. Olhe, abra os olhos, seja ousado, o perigo não está em viver comumente e sim em estar fechado para o sal e a pimenta, olhe e veja que acidentalmente esse mundo turbulento, de perigos suculentos é belo, e opulento, experimente, não desperdice, leitor.

Ás vezes eu fico tão estranho, eu sou estranho e você não me entende, leitor. Eu enlouqueço pensando, mas que seria eu sem pensar. Dou risada das minhas conjecturas para dormir, e isso é minha canção de ninar.

É suficiente? Queria poder ser salvo das coisas comuns e ter as respostas que eu quero, não que sejam as palavras que eu espero, mas que sejam respostas mesmo assim, a espera sempre é pior e cruel, me tire da monotonia do sofrimento de tempos, sofrer muito tempo nos faz masoquistas, e eu já estou gostando das finas agulhas que ferem meu coração a cada abrir de olhos molhados, onde está o turbilhão que me tirará da monotonia, leitor?








R.R.N






para L.G e suas respostas

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Sobre a escuridade das coisas.

Acho que não tenho capacidade narrativa; mas era noite, não fazia frio e havia estrelas. Existia também o limite tênue entre dois passos à frente e dois atrás. enfim, foram suficientes uns não sei quantos passos pra se estagnar em cima da linha equidistante dos dois extremos.
E ocorreu que, com aqueles passos, um outro mundo se moveu (ou se perdeu?). As possibilidades de se adentrar naquele mundo emoldurado, porém vivo, daquela parede, tornaram-se passíveis de cogitação. O que se poderia perder ao se jogar num mar e depois ser salvo a bordo de um navio aconchegante? Algumas coisas. Deixar-se-ia uma firme convicção, talvez a única certeza: a de habitar o Desmundo.
A viagem é inversa. Pegar o navio leva ao desconhecido. Não pegá-lo é o que o mantém no não-mundo. A noite foi capaz de conduzir-lhes a um desconhecido bom, muito bom. Mas ainda assim confuso.
Ouviu-se uma autoridade religiosa dizer: Deus tem um desafio para nós. Deve de ter. Mas o maior deles, provavelmente, é o de lidar com o lado de dentro, onde tudo concorre para o livre arbítrio. Isso sim parece ser o maior embate da natureza; de se compor existencialmente um dualismo característico dos anfíbios. A eterna
contradição humana.
Circunstâncias não significam nada? Quando houver o fim, nós seremos heróis constantemente. E aí, o que fará tanto sentido assim? Quando o ilogismo reinar, os co-autores de todas as belas músicas triunfarão. Eu quero o tempo de poesia e também o de certezas. Desculpe, não queria ser a primeira pessoa, mas isso sempre foge ao meu controle. Sou eu mesmo. Eu mesma. Você até pode matar o autor, isso é bom. Mas nunca, nunca invalide a existência dele.
São muitos badulaques e o jardim não existe. A relação entre os dois últimos signos concretos eu desconheço. No entanto, imagine uma caixa e imagine os badulaques. Você se ocupa demais com as inutilidades do seu recipiente e se esquece de que flores poderiam nascer de algumas tomadas de posições distintas dessas de cultivar um museu.
Mais uma criptografia para nós. Um passado, um presente e um futuro. O segundo consegue trazer à tona uma humanidade que nos outros dois é ofuscada. Dou a conhecer-me pelas perguntas que faço. As que eu fiz hoje se resumiram a um esgotamento muscular e a uma corrida para subir as escadas e fechar as janelas,afinal, já é tarde.


"O homem tirou sua espada e toda a gente com muito temor se calou. [...] Mas no escuro do meu coração a vista dele se marcara, que dela me não podia livrar." *

Eu não vou me calar, por mais que seja uma necessidade egoísta.



Bem-vindos à raça humana.



*Ana Miranda, no seu Desmundo.



Por Kamila.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O natal e o desaire.


Das faltas de condescendências do dia a dia já tratamos algumas vezes aqui, eu e você, leitor. Mas nos últimos tempos a necessidade de algumas pessoas (ou impotência) frente ao feriado natalino está ultrapassando as bem marcadas linhas do ridículo.


João odiava o natal desde que se conhecia pelo seu apelido, Jojo. Odiava esse apelido mais que outra coisa em sua vida, poucos o conheciam e mudava de emprego, esposa, vizinhança, gostos, onde quer que descobrissem. O apelido o perseguia, e tinha uma história natalina triste. João sempre ganhava meias e cuecas no natal, seja porque as suas estivessem sempre rasgando ou manchando, seja pelo gosto horrível dos poucos familiares que tinha. Num dos poucos natais que ganhou algo diferente (um blusão, listrado, amarelo com verde musgo) estavam presentes a família dos vizinhos com seu pequeno rebento da idade de João, inimigos declarados na rua e no colégio (gostava particularmente de atormentar nosso amigo). A avó de João dera o blusão, o fez vestir e acariciou seu cabelo dizendo: “ó Jojo (saiu naturalmente, não era costume da sua avó dar apelidos ou tratar alguém com carinho), tu ficaste muito porreta”. Nem Deus previra tamanho causo num dia de natal, o inimigo de João espalhou o apelido para todos da rua e da escola e logo João virara Jojo da vó; a situação só piorou quando a mãe de João o fez usar o blusão no primeiro dia de aula do ano seguinte. Desde então, João não conseguia mais ver o natal como uma festa de confraternização ou com qualquer outro significado relevante. Odiava o natal como odiava seu presente de natal inusitado, o apelido Jojo.


Tal estória serve como explicação de muitas aversões ao natal de variadas pessoas. Mas não serve para aquelas pessoas que dizem que o natal é brega, fede, ou é uma festa chata, sem motivo aparente. Certa vez, nesse ano conturbado, para nós, leitor, eu me flagrei defendendo o natal, pois por ele tenho muito gosto, soubesse eu quantas pedras acertariam minha nuca ao dizer isso. Hoje defendo o desaire do natal, a breguice clássica que todos conhecemos, os presentes da avó, as discussões da família, até o tio bêbado com barba de papai Noel. O natal é uma vez ao ano e todos devemos aproveitar, não levanto bandeira, vale até a festa do escritório, se não for daquelas com inúmeros atritos, pessoas desmaiando e a filha do chefe tirando a roupa na mesa. Que tal montar a árvore? Tenho especial admiração por isso, leitor, a árvore mostra muito do espírito de todos ou de uma pessoa da casa. Que tal pendurar guirlandas? Montar pisca-piscas? Que tal dar feliz natal no final das conversas pela rua ou pelo telefone, pelo mensageiro, que tal? Vamos, leitor, vamos esperar o natal e defender o nosso direito de desairar uma vez no ano, ao menos uma vez.