Você não pode tirar uma foto do que vê, no lugar onde eu estarei. E eu não posso mensurar o quanto isso soa fantasioso. Será que é um mundo onírico que a gente projeta sempre, quando a serotonina está em crise? Tenho lembranças, mas não me parecem muitas agora. Sempre existe o milésimo de segundo no qual você poderia não ter sido atropelado. Não foi o meu caso. No entanto, e apesar desse tanto, tenho memórias. A impressão primeira é a de que todas elas têm relação com música. O primeiro período daqui é uma, adaptada.
A música foi feita para o silêncio, ou o silêncio para a música: ela é um diálogo com a eternidade e o divino. Só o divino é eterno. Mas a questão é que meu mundo infantil foi letrado apenas pelas composições musicais. Livros? Poucos. E quer saber? Depois de certa idade tentei colocar algumas leituras em dia e vou dizer, nenhuma delas ficou na memória com a mesma intensidade que as melodias silenciosas.
“Você canta bem, mas por que parece que vai chorar quando o faz?”. Refletiu-me isso agora e me ocorreu que algumas coisas são grandes demais pra caber num pequeno ser. Ora, a pequena cantora deveria ter emudecido. Ponto. A penúltima frase parece ter sido acatada como um bom conselho durante os anos que se sucederam, apesar da colocação da voz num grupo eclesiástico rotineiro. Em conjunto não vale, contudo. O solo nunca mais se ouviu. Isso é polissêmico. Quiçá o contato com o que não é daqui se fez; não estou falando, porém, do sujeito que se constitui na alteridade. Falo de Adão e Eva. De Caim e Abel. De Jó. E de Jesus, o Cristo. Mas, infelizmente, eu não sou mais tão criança, a ponto de saber tudo.
Entretanto, crê-se ser essa a vontade do intento musical. Apesar de todos os processos de autoafirmação e de criar-lugar nos meios aos quais não se pertence, não há como falar de experiência sem a transmissão do conhecimento. As lacunas permanecem, assombram e cantam. Da maneira mais pueril possível.
Um comentário:
Tão Clarice ;D
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